E meu fígado berra, pedindo por mais um copo. A rotina é tamanha, que até ele deixou de trabalhar contra e juntou-se a mim neste balcão de bar. Olho em volta, vejo moscas voando em sentido contrário ao meu, será que eu fedo? Creio que não, sempre tive sucessos co os aromas que portava e, este hábito eu não mudei. Creio que a companhia não seria das mais agradáveis mesmo, por isso, nem eles querem se aproximar.
Ao fundo, vejo um casal, estão rindo. Se soubessem o que sei, não ririam mais. Sei que aquele olhar de desejo dele é apenas uma vontade incontrolável de possuir a moça de belos lábios e seios. Já o sorriso tímido, apesar de volumoso, não diz mais do que a sua intenção de fazer o cavalheiro um pouco mais pobre e um tanto mais triste, assim como eu sou hoje.
A luz é baixa, um pouco amarelada. O dono do estabelecimento não está tão preocupado assim em cuidar do planeta, ele prefere as incandescentes e eu também. Desce mais um gole, a garganta queima, o aroma do zimbro e da melancolia toma-me por um instante, junto, a sensação de que minha vida está na imagem que vejo refletida no copo, um dos americanos, perfeito para a cerveja, mas que recebe mais uma dose de gim. Vida trêmula e distorcida, bem como a imagem deflagra.
Mais uma hora se passa, mais uma hora e eu aqui, sentado, na mesma posição. O amanhã está por vir, está bem próximo, já passam da meia-noite. O casal se levanta, ela vai ao banheiro, ele, atrás do vendedor de rosas que passava na calçada. Ele corre e, parece alcançar. Eu lamento, mais um homem que derramará lágrimas em breve. Para todo este esforço ser compreendido, existe apenas uma explicação e, é a pior delas, para ele. Sim, ele está apaixonado, ela retorna, guardando o estojo de maquiagem na bolsa. Procura em sua volta, não vê o acompanhante e, mais que depressa, ele surge com o botão de rosa nas mãos e uma cara de paspalho que até me impressionou. Ela se surpreende, sorri, olha para o lado, entende o recado, mas faz cara de quem não quer acreditar. O rapaz começa bem o seu desastre, neste instante, eles trocam declarações e um beijo demorado.
Na mesma hora, jovens entram no estabelecimento. Ah, como adoro jovens, principalmente quando se tornam velhos e entendem que tudo o que fizeram não valeu para absolutamente nada. Sim, eu me delicio com os sentimentos alheios, será que isso me torna um voyeur ou apenas um solitário? O casal se foi, espero que para não voltar mais ali, mas também não me surpreenderia em encontrar aquele jovem sentado junto a mim, neste balcão, entre soluços e lamentos injuriados.
Os jovens fazem barulho, o infeliz proprietário daqui resolveu colocar uma mesa de sinuca no meio do salão e uma daquelas máquinas de música que se alimentam de moedas e notas. Tudo em nome do progresso e da evolução. Tudo para garantir a minha dor de cabeça. Pelo menos eles não escutam sertanejo, não seria interessante, por mais que deprimente, o fim de uma noite de sábado ao som de onomatopeias sem sentido e estrofes com rimas podres. É engraçado, estes jovens têm uma necessidade da autoafirmação, sempre um querendo ser melhor que o outro, será que é pra esconder a desgraça interna que amedrontam os seus seres? Tanto faz, passo a observá-los, sem antes, colocar mais uma dose de gim no copo americano.
Um toma à dianteira, são ou eram, não me lembro em que tempo estou, cinco camisetas coloridas, todas com dizeres em inglês cuja tradução não deve ser conhecida. Os cabelos lambuzados de gel, a ideia era ‘pegar garotas’, em suas gírias, mas, a noite terminou com seus falos bem guardados dentro dos jeans manchados e desbotados. Hoje em dia, as pessoas gastam dinheiro com coisas estragadas, na minha época, uma calça desbotada ou rasgada não era nem comercializada e, se fosse, com um desconto chantageador. Já, atualmente, devem ser as mais caras das lojas.
Eles berram a cada bola encaçapada, eles berram a cada bola errada, um dá dicas de como se deve pegar no taco, outro faz piadinha maliciosa, o terceiro fala da ‘mina’ que ele vai pegar, enquanto o primeiro grita para todos ouvir: ‘chegou a hora do Rui Chapéu jogar’, com coisa que ele sabe quem é Rui Chapéu, com certeza, o nome de um dos maiores especialistas em bilhar no Brasil, se tornou apenas uma gíria para os que se acham bons com tacos e bolas. Perdoem-me, não pude evitar a infame alusão.
Desses jovens de hoje, apenas sei, que um dia, serão assim como eu, tristes, solitários, mas com uma diferença, sem capacidade para escrever. Por hoje, falam de mulher com a autoridade de um torneiro mecânico falando de seu torno, mas seus dedos mindinhos também nunca estão no lugar. Falam de sexo, mas jogam sinuca entre amigos homens, até porque, aquele ambiente não é um ambiente próprio para uma dama. Em minhas noites de sábado, costumada a jogar sinuca, mas, sempre procurava estar acompanhado de uma dama, em lugares onde não ficaria bem entrar com amigos. Perdoem-me novamente pela comparação.
O tempo passa, já é bem mias manhã de domingo que noite de sábado. O dono do bar está com sono, cansado por precisar aturar tantas pessoas sujas de alma em seu estabelecimento, acredito que cansado de me servir gim, já não sei mais quantas doses foram e, estas, sem a mesma animação das primeiras. Mas concordo com ele, estou aqui como que um espantalho para assustar clientes melhores. Quando passam nas ruas e olham para dentre, dão de cara com um ser esquecido, no canto do balcão, com um copo americano, às vezes meio cheio, às vezes meio vazio – isso para tonar-me pop para os leitores, que gostam de filosofias completamente vazias leitores e dicas para não pensar muito – mas sempre bastante engordurado.
Volto a observar o dono do bar, ele ola para os jovens sinuqueiros, a cara, é de completo estupor, causado pelo sono em demasia e pela confirmação de que o sonho de uma faculdade se torna mais sonho aos a sua conclusão. Mais tarde vim saber que ele era jornalista, com diploma e tudo. Bem, eu também sou e somos exatamente iguais, apenas em lados opostos do balcão.
É a última ficha, avisa o dono aos jovens, eles se queixam, mas aceitam. Pelo menos consomem grande quantidade de cerveja enquanto jogam, pena do dinheiro que seus pais lhes confiaram, sorte do dono, por existirem pais tão bondosos neste mundo.
O relógio acusa o início da manhã, aproxima-se das quatro horas e a cidade volta a andar em círculos, está na hora de ir para casa. Tomo mais um copo, de uma só vez, para conseguir coragem, acerto minha conta e levanto-me. Ao atravessar a rua, percebo que os jovens também abandonam sua rinha de amor próprio compartilhado e se dirigem para o ponto de ônibus mais próximo. Eu? atravesso a rua e subo as escadas, pronto, terei uma ótima noite de domingo pela frente. 

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