poema para ontem

hoje, um dia muito feliz, seria.
hoje, uma luz brilharia,
hoje, essa luz está mais fraca.
hoje, quero que o amanhã chegue,
hoje, a vida já está atrasada.
escravidão,
a dor das chibatadas.
os dias se repetem,
um a um.
um pouco mais de vida nessa existência,
apenas isso que peço em minhas orações.
mais suor, mais ser, mais sentir.
sonho em não apenas levantar-me,
quero acordar!
como a água de um rio morto,
meu coração se perde
envolto por luz negra...
vida de poeta,
a vida imitando a vida.
o dia fingindo amanhecer,
a noite, brincando de se esconder.
o caminho não leva, traz.
o desejo não quer mais.

dia de poeta,
farsa
a mais pura verdade.
sou um palhaço sem circo,
sem vida, sem rumo.
meu nariz escorre sangue, vermelho.
meu sorriso está chorando.

sou um palhaço sem circo,
meus sapatos encolheram,
a flor da lapela não desabotoa mais.

sou um palhaço sem circo,
a gravata, me enforcou.
noite fria,
cidade gélida,
palidez soturna,
canto engasgado,
vida de esperança.

fé sempre renovada,
a busca pela vitória,
dores mascaradas,
ilusão alimentada,
arte de morrer!
cabeça de gente,
cabeça de boi
rumo à morte,
rumo ao corredor...
matadouro, metrô.
T A N T O

                               

                                   PASSO

                                                     pequeno.
tanto de você aqui,
cada vez mais dentro,
cada vez mais fundo,
profundo,
pro fundo
num coração raso.
acho que assustei crianças
cuspi em seios desnudos,
comi a carne, me fiz serpente.
maçã podre, num cesto cheio...

procurei razão,
encontrei desilusão,
mentira,

redenção,
10 aves marias.

putrefação.
'quero o vinho quente do seu coração'!
embriagar-me de suor,
do teu, do nosso,

a gente

todos, tudo junto!
nós dois pra sempre, sempre...
noite linda,
eu e mainha.
brilho de luz,
brilho que nunca se apaga.

rumos de prosa,
mapa de tesouro,
ouro,
aparecida,
outro dia, outra vez...

luminESSÊNCIA!
quero vivo
quero firme
quero quente
quero manso
quero tudo
quero dentro
quero anti

quero a ti
quero a mim
quero grito
quero guerra
choro, calor, clamor
quero também...

quero brisa
quero tempestade
quero em mim
quero vivo
quero paz

QUERO

QUERO

QUERO

Quero

quero...

NÃO!
dores de uma vida sem luz,
minha caminhada por ruas escuras,
sinal de ser dentro do breu.
respiração ofegante, quase me levanto,
sonho sem respostas,
fim muito próximo,
amanhã, outra vez...
prego prega,
pingo pinga,
pinto pia,
pipa empina,
vida? dorme...
água,
pedra dura,
tanto,
coração fura...
lágrias da madrugada,
as mais cortantes.
versos perdidos,
os últimos suspiros.

a dor incomoda,
peito aperta,
planos, se apagam,
esperanças enfumaçadas.

a solidão,
companheira de copo.
a música no fundo,
única forma de preencher.

a dúvida,
minha maior certeza.
mais uma lágrima escorre,
e o que resta? Adeus!
assim como o Pestana, do Assis,
busco minhas óperas,
rimas, amores...
assim como o Pestana,
escrevo palavras,
escrevo sonhos,
sem rumos, sem vida!
eu e o espanto,
companheiros de pranto,
perdidos pelos cantos,
nas sombras de um coração vazio...
desnudou a alma,
transformou-se em luz,
brilhou...
um brilho diferente,
sem estrelas,
sem céu,
um brilho... você 

para Vera Di Sêvo
Como a Bia, recebendo a touca do Encrenca, me sinto despedindo da vida sempre que acordo.
A angústia me toma, não por querer encontrar respostas, mas sim, por não saber o que perguntar.
Quero ser o eu dos meus sonhos, aquele que via nos vinte anos, esse que nunca acontecerei.
Busco conquistar algo, não tenho forças, não tenho grana.Tenho lados vazios, solitários.
Acredito ainda numa Ipanema ensolarada, numa Paulista parada pela poesia, num sorriso estampado, junto do verde, junto do ouro... junto do outro.
sentir dor,
se entregar a dor,
viver por ela... dói!

da vida, mais passos soltos,
mais abraços soltos,
mais sorrisos leves,
mais dentes nos rotos.

penso em dizer não,
solto logo um sim.
penso em sair do mundo,
acordo, ignoro tudo.

assim vou levando,
sem poder o que quero,
sem ter meus amores perto,
sem ser o meu sonho sonhado.

assim continuo,
rindo da vida enciumada,
sentindo o que dá para sentir,
sonhando comigo, cada vez mais.
o caos está controlado,
as bagunças, catalogadas.
estantes de vias,
dão ordem ao que não tem que tê-la.

caminhos cruzados,
GPS ligado,
necessidade da perda,
o dia me encontra.
Grão de areia ao vento,
Rumos esquecidos no tempo,
Amores vão, em vão,
Saudades, apenas saudades,
Fazem-me lembrar.

A vida passa, o tempo some,
As lágrimas surgem, feridas que rasgam,
Aprendiz de dores, de nada.
Saudades, apenas saudades,
Fazem-me lembrar.

As sombras dominam, contaminam.
Os dias escurecem, somem,
Não são.
Saudades, apenas saudades,
Fazem-me lembrar.

Eu corro,
Tento fugir de mim,
Persigo-me.
Saudades, apenas saudades,
Fazem-me lembrar.

Sou mais rápido que eu mesmo,
Alcanço meu ser,
Sorrio, perverso.
Saudades, apenas saudades,
Fazem-me lembrar.

Entrego-me a mim,
Volto, vejo minha alma,
Encontro amores, sinto mais uma vez.
Saudades, não apenas elas,
Fazem-me lembrar.

O dia acorda, a noite cai,
Sorrindo, lembro-me das saudades,
Percebo vida além delas.
Amores, novos amores,
Com eles, volto a viver.
Alma, 
Translúcida,
Se apaga,
Se apaga,
Se apaga.
De manhã,
Some de mim.
palavra,
viva alma,
luz que brilha,
tanto ilumina,
tanto é perdida.

palavra,
dor continua,
sonho também,
alegria de agora,
futuro para ninguém.

palavras,
estrela viva,
sopro de paz,
tormenta fugaz,
ilusão, palavrão!

palavra,
aquela que acolhe,
as vezes, destrói,
parece vilão,
assim, desconstrói...
luz apaga,
gato berra,
tiro explode,
sono?
este acorda...
de sonho em sonho,.
espera...
de sono em sono,
acolhe...
de sonho em sonho,
recolhe...
de sonho em sonho,
devolve...
a esperança se torna objeto,
de tão perto, se afasta.
a vida, remói, corrói, dói.
mais um dia, e o sorriso se reconstrói.
Coroa de um dia,
Violetas sem pétalas,
Água sem rumo,
Sonhos que amedrontam.

Coroa de um dia,
Vida sem vida,
Brilho se apaga,
Cor desbotada.

Coroa de um dia,
Acaba, espinhos... acaba

de noite, a lua.
esperança, mais uma vez.
escolha?

recolhe a dúvida,
aposte no erro,
suba,
suma!
venha, meus braços te esperam...
Dói,
Corrói,
Rói,
Dodói.
momentos
inspira
ação de inspirar-se
respira
ação!
temores, vida
PULSA!
vive descontrole,
Viva!

Cai a máscara,
A dor se vai.
ATOR!
cortina se fecha,
o dia começa...
travou,
caiu,
boom!

levantei,
voltei...
o céu se torna um lugar inóspito, a vontade de subir se torna mais distante, aqui embaixo, mais calor, mais amor, mas temor...
sinto que a hora se aproxima, o medo me toma a alma, mas a partida se torna inevitável. Passo a pensar no próximo lado, na próxima vida, não que eu queria, mas faz parte da condenação.
Sou fraco, estou só. Busco tuas mãos, vejo em tua face, uma lágrima a escorrer.
O vazio se apresenta, escuridão.
A dor aumenta, coração se esforça, força acaba.
De mansinho, bem fininho, de mansinho...
Acordo, ainda estou aqui.
Meu livro é uma vida aberta,
Em prateleiras de bibliotecas,
Colocados por mãos sérias,
Dona de cabelos, sorriso... alma bela

Meu livro pertence a ela.

Parra Thais de Lima
se mate na paulista
e bomba na consolação,
pegue uma cuia,
monte um chimarrão!
bala de borracha,
cacetete nas mãos,
atrás de escudos,
efeito moral?
qual?
vida de merda,
será que vale acordar?
estar aqui para quê,
quero parar de apanhar...

deixe de ser otário,
finja menos acreditar,
ilusão meu bem,
triste fim de sonhar...

um mundo ideal?
HAHAHAHAHA
e ainda bate no peito,
acha que vão te salvar...

90 por cento,
vocês são a piada,
alegram o dia,
fazem o barbudinho gargalhar!
sorrio,
não tenho que sentir,
sorrio por sorrir,
mexer a boca,
mostrar os dentes.

um sorriso é só riso,
não tem porque,
não tem razão,
por isso, continuo assim,
sorrindo em vão.
pessoas,
apenas pessoas,
para elas,
apenas.
polcas, só sei fazer polcas.
nenhuma valsa,
nunca óperas...
sentimentalizar momentos,
ontem frio,
hoje, terror...
criação,
ação de ser cria,
criatura,
cobra criada...
não dessa, sanja.
numa outra?
quem sabe...
sorte!

Trupe do Sinal


Olha só! Tô famoso, apareci no jornal! Vocês não devem me conhecer, né? Eu sou esse aí do meio, o de camisa preta, ou se preferirem, o A.S.R., como saiu na reportagem, me falaram que meu nome tem que sair desse jeito porque sou “di menor”, é, tenho só 15 anos, faço parte de uma trupe, a “Trupe do Sinal” – o nome é porque um dia, um tiozinho apareceu lá no nosso ponto e perguntou sobre a nossa trupe, nem sei o que quer dizer isso, mas gostamos do nome e ficou –, junto com esses dois da foto, que também não tem nomes, só iniciais. Mas o que importa o nome para nós que temos que viver assim, na rua, não podemos ir nem para um barraco, numa favela qualquer?
Eu tenho sorte de saber o meu nome, e completo, o grandão que tá embaixo, nem isso sabe, o apelido dele é “Muleque” – nem ele sabe mais qual é o seu nome de verdade –, o baixinho é o Joca.
O primeiro já nasceu na rua, nunca teve um teto, nem de papelão. Ele fala que viveu com a mãe até uns oito anos de idade, morando num viaduto aqui perto, onde nasceu. Um dia o Muleque tava na praia e se perdeu da mãe, a gente tem dúvida se ele se perdeu ou se fugiu, parece que ele apanhava muito dela. O pirralho, que é o outro apelido do Joca – nem sei o nome verdadeiro dele – parece que morava com uns tios lá no Jacarezinho, mas um dia apareceu aqui em Copa, todo roxo e falou que nunca mais voltava para casa.
E eu, bem..., eu nasci e morei um tempão no Canta Galo, nunca apanhei dos meus pais, vivíamos felizes, mesmo com todos os problemas. Éramos seis, pai e mãe, minha avó materna, dois irmãos e eu. Ah, tinha dois cachorros também. Eu brincava, jogava bola, ajudava a minha mãe, que era lavadeira, escutava histórias da minha avó, até estudar, eu estudei! Foi na escola que aprendi a escrever o meu nome, acho que só sei isso, mas pelo menos sei como é bonito o desenho que me representa. Era tudomuito bom, só que um dia, veio uma chuva forte e minha casa desmoronou, minha casinha foi embora e com ela, a minha vida.
Era de madrugada quando tudo aconteceu. Estava todo mundo em casa, dormindo, só eu que não, eu estava na casa de um amigo, no pé do morro. Quando voltei para casa, vi um tanto de gente reunida. Eles tentaram me tirar dali, mas como sempre fui teimoso, consegui chegar onde eu achava que ia encontrar a minha casa, mas só tinha barro e uns pedaços de algumas coisas que não se parecia com um barraco.
Perguntei pelos meus pais e, antes de me responderem, pude ver os bombeiros saírem com um menininho na maca, era o meu irmãozinho de três anos, ele estava morto. Caí na realidade e em desespero, percebi que toda a minha família estava morta. Saí correndo pra lugar nenhum, quando parei, estava perdido, acho que mais perdido pela situação do que pela localização, só sabia que nunca mais pisaria lá, onde um dia foi a minha casa, e assim, me tornei um menino de rua, dormindo debaixo das marquises e andando pelo Rio, sem obrigação de voltar. Foi nessa época que conheci o Muleque e nos tornamos grandes amigos, ele era mais velho, na época eu tinha 11 e ele 13 anos, o pirralho apareceu uns três meses depois, tinha 8 anos. Assim estava formada a “Trupe do Sinal”.
Hoje, nós três ganhamos a vida assim, como vocês estão vendo, fazendo shows nos picadeiros do Rio, principalmente de Copacabana, é um verdadeiro espetáculo. Às vezes ganhamos uns bons trocados, mas nunca é muito, acho isso ótimo porque, assim, não temos como cair em tentação de cair no mundo das drogas. Agradeço a Deus todos os dias por não nos dar mais dinheiro, senão, certamente, estaríamos viciados em alguma coisa.
Bem, essa é a nossa história, a da “Trupe do Sinal”, acho que não dá nenhuma reportagem, mas é a nossa vida...
Ah, ia me esquecendo! Um dia escutei uma música, depois descobri que era do Gabriel, O Pensador, ela se chama “O Resto do Mundo” e é assim que vou terminar, com um trecho dela, que traduz perfeitamente o meu sonho:
“Eu queria morar numa favela
Eu queria morar numa favela Eu queria morar numa favela O meu sonho é morar numa favela Eu me chamo de cherôso como alguém me chamou Mas pode me chamar do que quiser seu doto Eu num tenho nome Eu num tenho identidade Eu num tenho nem certeza se eu sou gente de verdade Eu num tenho nada Mas gostaria de ter Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eu comer...”
É isso então, meu sonho é morar numa favela, mas enquanto isso não é possível, vou estar aqui, jogando bolinhas para o alto, a fim de conseguir algum trocado para comer.
(OBS: o texto foi baseado na fotografia retirada do jornal Folha de São Paulo, do dia 04 de março de 2007, do caderno +mais! e na letra da música de Gabriel, O Pensador “O Resto do Mundo”, do álbum MTV Ao Vivo)
Mais uma vez incompreendido,
Fui tratado feito bandido.
Desse mundo fui banido,
Nesse sonho, escondido.
Fui bandido, incompreendido,
Escondido, estou banido.
Fui banido, sou bandido.
Incompreendido, escondido.
Depois de tanta justiça, 
Resolvi,
Virei mendigo.

Poxão

é de dia, acordo feliz,
lua se foi, ano que vem
saudades de tudo, mesmo do nada
vontade de bolo de chocolate...
tua boca, dentes rindo,
teu sabor, ranger, sorrir...
vida de araque,
riria Balzac,
ilhas iludidas,
sonhando continentes.
filhos da luz,
fluorescentes, se apagam,
noites escuras,
brilham luas,
sem almas próprias.

exércitos de milhões,
não valem um só,
gigante deitado,
é simples, um pó.

mar agitado,
em busca de paz!
Por ser bacana,
ficou pesado.
O peso é ouro.
O peso é caro.
O peso é osso,
Seu grande otário.
Por ser banana,
ficou pesado
excessos,
trajetos ignorados,
retrocessos,
dispersos em névoas de acasos,
vontades iludidas,
dores consumidas,
simples vontade de não ser.
preciso de poesia para colar em minha pele,
sonho com um lugar antigo,
fico confuso...

preciso de fé para montar o dragão,
desejo aquela foto rasgada,
tenho medo...

tenho águas aos meus pés,
busco uma ilha esquecida,
creio até...
No final do ponto,
A vida aponta.
A morte vem na ponta,
Por traz da vida pronta.

Começa onde termina,

Vem pro lado que vai,
Sai de cima, entra embaixo.
Vida e morte, um grande abraço!
nada, nada para fazer
muito a resolver.
tanto para pensar,
falta ânimo para olhar.

vontade até de acreditar,
medo de me aproximar.
sangue circula devagar,
vida teima em continuar...

Dia de todo dia

Na mudança de linha,
Passa boi, passa boiada.
Todo mundo enfileirado,
Nessa marcha organizada.

O relógio nunca para,
Toda gente atrasada. 
Fecha a cara logo cedo,
Essa massa apressada.

Um desejo vem à tona,
Um momento de lucidez.
A cena congelada,
Tudo para de uma vez.

Instante para pensar,
Vida para, consciência não.
Se um botão, eu apertar,
E pausar essa multidão.

Lembrar que o sorriso existe,
Sem precisar se explicar,
Sorrir por sorrir,
Simples fato a se pensar.

E o botão é liberado,
E essa gente continua.
Mas agora, bem mais leve,
Lembrando também, que a vida é sua.
dia louco para um domingo de marasmo,
entregue a pensamentos,
guiado por desilusões.
Triste por estar feliz,
rindo por desespero.
tento encontrar o ar,
afogo-me.
tantas coisas já vividas,
e eu ainda nem acordei.
sim
___não
______sim
___não
sim
______sinão
sim.sim.sim
__________NÃO
sinão__
______sim_nal

do lado outro


De um lado, sorriso,
De outro, a vida.
De um lado, tudo,
De outro, o sonho.
De um lado, amor,
Do outro, a esperança.
De um lado, brilho,
Do outro, o início da ponte...
                                                    Para Tássia Cardoso

Conteúdo..................
..................Tudo......
.........Mundo.............
..........................Luto
Com tudo..................
...................Contudo?
Conte.......................
........mudo

baleia


Cabeça dura
Alma branda
Lua escura
Ser sem cor
Céu nublado
Vida seca
Graciliano,
Ramo(s)
Estrela brilha!

bobo triste



Acordei para mais um dia de circo,
Busquei a base,
Maquiar o sorriso que minha alma finge acreditar.
Ossos do ofício...

Hoje tenho duas faces,
Desejo a gota,
O público, ansioso, espera pela estrela.
Ossos da desilusão...

Sou operário do riso,
Produzo em escala industrial,
Bater ponto para fazer rir, sem tempo para pensar.
Ossos do almoço...

O espetáculo se inicia,
Minha hora está chegando,
Na mente, a luz acinzentada se camufla, enquanto calço os sapatos.
Ossos do tropeço...

Um dia isso acaba,
Sou palhaço sem a menor graça,
Quero tempo para sorrir, poder colorir a minha alma de verdades
Ossos do sonho... 

foto: vasco cardoso
E meu fígado berra, pedindo por mais um copo. A rotina é tamanha, que até ele deixou de trabalhar contra e juntou-se a mim neste balcão de bar. Olho em volta, vejo moscas voando em sentido contrário ao meu, será que eu fedo? Creio que não, sempre tive sucessos co os aromas que portava e, este hábito eu não mudei. Creio que a companhia não seria das mais agradáveis mesmo, por isso, nem eles querem se aproximar.
Ao fundo, vejo um casal, estão rindo. Se soubessem o que sei, não ririam mais. Sei que aquele olhar de desejo dele é apenas uma vontade incontrolável de possuir a moça de belos lábios e seios. Já o sorriso tímido, apesar de volumoso, não diz mais do que a sua intenção de fazer o cavalheiro um pouco mais pobre e um tanto mais triste, assim como eu sou hoje.
A luz é baixa, um pouco amarelada. O dono do estabelecimento não está tão preocupado assim em cuidar do planeta, ele prefere as incandescentes e eu também. Desce mais um gole, a garganta queima, o aroma do zimbro e da melancolia toma-me por um instante, junto, a sensação de que minha vida está na imagem que vejo refletida no copo, um dos americanos, perfeito para a cerveja, mas que recebe mais uma dose de gim. Vida trêmula e distorcida, bem como a imagem deflagra.
Mais uma hora se passa, mais uma hora e eu aqui, sentado, na mesma posição. O amanhã está por vir, está bem próximo, já passam da meia-noite. O casal se levanta, ela vai ao banheiro, ele, atrás do vendedor de rosas que passava na calçada. Ele corre e, parece alcançar. Eu lamento, mais um homem que derramará lágrimas em breve. Para todo este esforço ser compreendido, existe apenas uma explicação e, é a pior delas, para ele. Sim, ele está apaixonado, ela retorna, guardando o estojo de maquiagem na bolsa. Procura em sua volta, não vê o acompanhante e, mais que depressa, ele surge com o botão de rosa nas mãos e uma cara de paspalho que até me impressionou. Ela se surpreende, sorri, olha para o lado, entende o recado, mas faz cara de quem não quer acreditar. O rapaz começa bem o seu desastre, neste instante, eles trocam declarações e um beijo demorado.
Na mesma hora, jovens entram no estabelecimento. Ah, como adoro jovens, principalmente quando se tornam velhos e entendem que tudo o que fizeram não valeu para absolutamente nada. Sim, eu me delicio com os sentimentos alheios, será que isso me torna um voyeur ou apenas um solitário? O casal se foi, espero que para não voltar mais ali, mas também não me surpreenderia em encontrar aquele jovem sentado junto a mim, neste balcão, entre soluços e lamentos injuriados.
Os jovens fazem barulho, o infeliz proprietário daqui resolveu colocar uma mesa de sinuca no meio do salão e uma daquelas máquinas de música que se alimentam de moedas e notas. Tudo em nome do progresso e da evolução. Tudo para garantir a minha dor de cabeça. Pelo menos eles não escutam sertanejo, não seria interessante, por mais que deprimente, o fim de uma noite de sábado ao som de onomatopeias sem sentido e estrofes com rimas podres. É engraçado, estes jovens têm uma necessidade da autoafirmação, sempre um querendo ser melhor que o outro, será que é pra esconder a desgraça interna que amedrontam os seus seres? Tanto faz, passo a observá-los, sem antes, colocar mais uma dose de gim no copo americano.
Um toma à dianteira, são ou eram, não me lembro em que tempo estou, cinco camisetas coloridas, todas com dizeres em inglês cuja tradução não deve ser conhecida. Os cabelos lambuzados de gel, a ideia era ‘pegar garotas’, em suas gírias, mas, a noite terminou com seus falos bem guardados dentro dos jeans manchados e desbotados. Hoje em dia, as pessoas gastam dinheiro com coisas estragadas, na minha época, uma calça desbotada ou rasgada não era nem comercializada e, se fosse, com um desconto chantageador. Já, atualmente, devem ser as mais caras das lojas.
Eles berram a cada bola encaçapada, eles berram a cada bola errada, um dá dicas de como se deve pegar no taco, outro faz piadinha maliciosa, o terceiro fala da ‘mina’ que ele vai pegar, enquanto o primeiro grita para todos ouvir: ‘chegou a hora do Rui Chapéu jogar’, com coisa que ele sabe quem é Rui Chapéu, com certeza, o nome de um dos maiores especialistas em bilhar no Brasil, se tornou apenas uma gíria para os que se acham bons com tacos e bolas. Perdoem-me, não pude evitar a infame alusão.
Desses jovens de hoje, apenas sei, que um dia, serão assim como eu, tristes, solitários, mas com uma diferença, sem capacidade para escrever. Por hoje, falam de mulher com a autoridade de um torneiro mecânico falando de seu torno, mas seus dedos mindinhos também nunca estão no lugar. Falam de sexo, mas jogam sinuca entre amigos homens, até porque, aquele ambiente não é um ambiente próprio para uma dama. Em minhas noites de sábado, costumada a jogar sinuca, mas, sempre procurava estar acompanhado de uma dama, em lugares onde não ficaria bem entrar com amigos. Perdoem-me novamente pela comparação.
O tempo passa, já é bem mias manhã de domingo que noite de sábado. O dono do bar está com sono, cansado por precisar aturar tantas pessoas sujas de alma em seu estabelecimento, acredito que cansado de me servir gim, já não sei mais quantas doses foram e, estas, sem a mesma animação das primeiras. Mas concordo com ele, estou aqui como que um espantalho para assustar clientes melhores. Quando passam nas ruas e olham para dentre, dão de cara com um ser esquecido, no canto do balcão, com um copo americano, às vezes meio cheio, às vezes meio vazio – isso para tonar-me pop para os leitores, que gostam de filosofias completamente vazias leitores e dicas para não pensar muito – mas sempre bastante engordurado.
Volto a observar o dono do bar, ele ola para os jovens sinuqueiros, a cara, é de completo estupor, causado pelo sono em demasia e pela confirmação de que o sonho de uma faculdade se torna mais sonho aos a sua conclusão. Mais tarde vim saber que ele era jornalista, com diploma e tudo. Bem, eu também sou e somos exatamente iguais, apenas em lados opostos do balcão.
É a última ficha, avisa o dono aos jovens, eles se queixam, mas aceitam. Pelo menos consomem grande quantidade de cerveja enquanto jogam, pena do dinheiro que seus pais lhes confiaram, sorte do dono, por existirem pais tão bondosos neste mundo.
O relógio acusa o início da manhã, aproxima-se das quatro horas e a cidade volta a andar em círculos, está na hora de ir para casa. Tomo mais um copo, de uma só vez, para conseguir coragem, acerto minha conta e levanto-me. Ao atravessar a rua, percebo que os jovens também abandonam sua rinha de amor próprio compartilhado e se dirigem para o ponto de ônibus mais próximo. Eu? atravesso a rua e subo as escadas, pronto, terei uma ótima noite de domingo pela frente. 

O ânimo empurra-me para dentro do casulo,
Para borboleta, falta-me cor, sabor, força.
Tenho lágrimas escondidas, tenho vida adormecida.
O vento me encoraja, o medo me corta,
Penso em sair, mas o calor do desespero não permite.
Finjo até gostar, estou enganado a quem?
A mim, apenas me envolvo num mar de emoções partidas.
Sinto-me sádico e, ao mesmo tempo, masoquista.
Autoflagelo!
A semana revive, a esperança também,
As asas se animam novamente, desta vez vai...
Foi, não foi. Alarmes falsos, desilusões.
Uma vida dentro de um casulo, apenas isso.
Sem cor, sem sabor, sem dor, sem pavor, sem...