Trupe do Sinal


Olha só! Tô famoso, apareci no jornal! Vocês não devem me conhecer, né? Eu sou esse aí do meio, o de camisa preta, ou se preferirem, o A.S.R., como saiu na reportagem, me falaram que meu nome tem que sair desse jeito porque sou “di menor”, é, tenho só 15 anos, faço parte de uma trupe, a “Trupe do Sinal” – o nome é porque um dia, um tiozinho apareceu lá no nosso ponto e perguntou sobre a nossa trupe, nem sei o que quer dizer isso, mas gostamos do nome e ficou –, junto com esses dois da foto, que também não tem nomes, só iniciais. Mas o que importa o nome para nós que temos que viver assim, na rua, não podemos ir nem para um barraco, numa favela qualquer?
Eu tenho sorte de saber o meu nome, e completo, o grandão que tá embaixo, nem isso sabe, o apelido dele é “Muleque” – nem ele sabe mais qual é o seu nome de verdade –, o baixinho é o Joca.
O primeiro já nasceu na rua, nunca teve um teto, nem de papelão. Ele fala que viveu com a mãe até uns oito anos de idade, morando num viaduto aqui perto, onde nasceu. Um dia o Muleque tava na praia e se perdeu da mãe, a gente tem dúvida se ele se perdeu ou se fugiu, parece que ele apanhava muito dela. O pirralho, que é o outro apelido do Joca – nem sei o nome verdadeiro dele – parece que morava com uns tios lá no Jacarezinho, mas um dia apareceu aqui em Copa, todo roxo e falou que nunca mais voltava para casa.
E eu, bem..., eu nasci e morei um tempão no Canta Galo, nunca apanhei dos meus pais, vivíamos felizes, mesmo com todos os problemas. Éramos seis, pai e mãe, minha avó materna, dois irmãos e eu. Ah, tinha dois cachorros também. Eu brincava, jogava bola, ajudava a minha mãe, que era lavadeira, escutava histórias da minha avó, até estudar, eu estudei! Foi na escola que aprendi a escrever o meu nome, acho que só sei isso, mas pelo menos sei como é bonito o desenho que me representa. Era tudomuito bom, só que um dia, veio uma chuva forte e minha casa desmoronou, minha casinha foi embora e com ela, a minha vida.
Era de madrugada quando tudo aconteceu. Estava todo mundo em casa, dormindo, só eu que não, eu estava na casa de um amigo, no pé do morro. Quando voltei para casa, vi um tanto de gente reunida. Eles tentaram me tirar dali, mas como sempre fui teimoso, consegui chegar onde eu achava que ia encontrar a minha casa, mas só tinha barro e uns pedaços de algumas coisas que não se parecia com um barraco.
Perguntei pelos meus pais e, antes de me responderem, pude ver os bombeiros saírem com um menininho na maca, era o meu irmãozinho de três anos, ele estava morto. Caí na realidade e em desespero, percebi que toda a minha família estava morta. Saí correndo pra lugar nenhum, quando parei, estava perdido, acho que mais perdido pela situação do que pela localização, só sabia que nunca mais pisaria lá, onde um dia foi a minha casa, e assim, me tornei um menino de rua, dormindo debaixo das marquises e andando pelo Rio, sem obrigação de voltar. Foi nessa época que conheci o Muleque e nos tornamos grandes amigos, ele era mais velho, na época eu tinha 11 e ele 13 anos, o pirralho apareceu uns três meses depois, tinha 8 anos. Assim estava formada a “Trupe do Sinal”.
Hoje, nós três ganhamos a vida assim, como vocês estão vendo, fazendo shows nos picadeiros do Rio, principalmente de Copacabana, é um verdadeiro espetáculo. Às vezes ganhamos uns bons trocados, mas nunca é muito, acho isso ótimo porque, assim, não temos como cair em tentação de cair no mundo das drogas. Agradeço a Deus todos os dias por não nos dar mais dinheiro, senão, certamente, estaríamos viciados em alguma coisa.
Bem, essa é a nossa história, a da “Trupe do Sinal”, acho que não dá nenhuma reportagem, mas é a nossa vida...
Ah, ia me esquecendo! Um dia escutei uma música, depois descobri que era do Gabriel, O Pensador, ela se chama “O Resto do Mundo” e é assim que vou terminar, com um trecho dela, que traduz perfeitamente o meu sonho:
“Eu queria morar numa favela
Eu queria morar numa favela Eu queria morar numa favela O meu sonho é morar numa favela Eu me chamo de cherôso como alguém me chamou Mas pode me chamar do que quiser seu doto Eu num tenho nome Eu num tenho identidade Eu num tenho nem certeza se eu sou gente de verdade Eu num tenho nada Mas gostaria de ter Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eu comer...”
É isso então, meu sonho é morar numa favela, mas enquanto isso não é possível, vou estar aqui, jogando bolinhas para o alto, a fim de conseguir algum trocado para comer.
(OBS: o texto foi baseado na fotografia retirada do jornal Folha de São Paulo, do dia 04 de março de 2007, do caderno +mais! e na letra da música de Gabriel, O Pensador “O Resto do Mundo”, do álbum MTV Ao Vivo)